Está tudo em pânico desde o momento em que os vários órgãos de comunicação social decidiram, mais uma vez, praticar desinformação em vez de informação! A polémica sobre as supostas “novas casas de banho mistas, neutras ou sem género” de que se anda para aí a falar, não passa de uma tentativa, mais uma vez, de negar direitos às crianças e adolescentes, que são consideradas “diferentes” do esperado para o seu sexo ou género.
Por isso, muita calma mamãs e papás: não é sobre casas e banho mistas nas escolas!
Aliás, não é sobre isso, de todo, que o texto aprovado na especialidade fala! Vamos lá informar-nos como deve de ser sobre aquilo que está a ser aprovado.
Que polémica é esta sobre as casas de banho?
Dizem por aí os vários títulos sensacionalistas que “os alunos vão poder decidir as casas de banho, nomes e vestuário” que querem usar, ou que “o governo aprovou as casas de banho mistas nas escolas”.
Queres saber a verdade? Nua e crua? Aquela que não faz circular reels, nem stories, nem likes, nem comentários?
É simples! A verdade é que apenas foi aprovado um texto de substituição dos anteriores projetos de Lei n.º 21/XV/1.ª (PAN), Projeto de Lei nº 332/XV (PS) e Projeto de Lei n.º 359/XV/1.ª (BE). E o que é que isso tem a ver então com a polémica das casas de banho?
Tem a ver que as pessoas adoram inventar e criar o pânico social onde nenhum perigo existe! Passamos a explicar abaixo.
De que falam estes projetos de lei?
Falam sobre as medidas administrativas que as escolas devem adotar para cumprir o que a Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, estabelece, em vigor há já 5 anos!
Portanto, primeiro: Não, esta matéria não é novidade! Segundo: Não se trata de casas de banho! Trata-se de proteger crianças e jovens cuja identidade ou expressão de género possa ser alvo de discriminação, violência ou exclusão.
Mas então o que foi aprovado afinal sobre as casas de banho?
Nada! Nada foi aprovado sobre as casas de banho nas escolas. O texto aprovado na especialidade fala que as escolas devem adotar práticas não discriminatórias, devendo emitir orientações (não obrigações) para que:
a) a criança ou jovem possa utilizar o nome autoatribuído (ou seja, que a criança possa usar o nome com que se identifica)
Imagine a situação de Manuel, de 13 anos, que já conversou consigo ( pai, mãe ou responsável parental) sobre a sua identidade de género feminina, e quer que os professores, auxiliares e colegas de turma tratem pelo nome Maria, tal como a tratam em casa, e que possa assim ver o seu direito à autodeterminação respeitado.
A criança ou jovem que pretenda usar um nome autoatribuído não poderá fazê-lo em momento algum sem a autorização dos pais! Por isso, se teme que o seu filho, filha ou filhe, de uma hora para a outra ande a pedir na escola que o tratem por um nome de género oposto, não precisa ter medo, isso nunca irá acontecer sem o seu consentimento!
E não se trata aqui de qualquer criança pedir para ser tratada pela alcunha X ou Y, nem pelo nome XYZ só porque quer. Trata-se de fazer com que as crianças e jovens cuja identidade e expressão de género difere da esperada para o seu sexo e/ou género, e que querem que a comunidade respeite a sua identidade, vejam esse direito respeitado em âmbito escolar.
b) promover a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam que se tome em consideração o género autoatribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por aquelas com que sentem maior identificação;
Segundo, na sequência da realização de atividades desportivas ou recreativas que envolvam o uso de balneários com casas de banho diferenciadas por sexo, a lei é clara: os ambientes devem tomar em consideração o género autoatribuído da criança ou jovem. Tomar em consideração não é construir casas de banho novas, nem de género neutro, nem de género misto.
É ter em consideração, que pode dar-se o caso de, por exemplo, 1 em 100 alunos de uma escola ser uma criança ou jovem trans, ou que se identifica com um determinado género contrário aquele que lhe foi atribuído à nascença com base nas caraterísticas sexuais com que nasceu! E com base nisso, permitir que essa criança ou jovem, se se sentir confortável com isso, possa usar ou frequentar as casas de banho de acordo com o género com que se identifica. Esta medida tem o propósito de proteger estas crianças e jovens de potenciais situações de discriminação, violência ou exclusão que possa advir da sua diversidade de género.
“Ah mas então as crianças e jovens sempre podem usar qualquer casa de banho, basta dizerem que são de outro género e podem usá-las!”
A sério? Estamos a chegar ao ridículo de achar que as nossas crianças e jovens, vão fazer uso do conhecimento desta lei para, com maldade, irem espreitar a casa de banho ou balneário oposta?
É normal que enquanto mãe, pai ou responsável parental sinta o mesmo que as mais de 37 mil pessoas assinantes da petição: “Não queremos que as crianças e jovens sejam obrigados a partilhar os WCs e balneários com pessoas fisicamente do sexo oposto”.
Entende-se este medo, porque é normal pensar que há perigo das crianças ao partilharem os WC e balneários, cometam atos sexuais impróprios para a sua idade, ou algumas crianças possam vir a ser assediadas ou até mesmo violadas. Mas vamos tentar desconstruir este medo, e perceber na prática que não é isso que a lei irá facilitar ou permitir. Vamos entender porquê!
A petição em causa diz: “Somos radicalmente contra uma lei que permite que adolescentes e crianças a partir dos 6 anos decidam que instalações sanitárias e balneários querem usar.”
Então, na realidade não é a partir dos 6 anos, é a partir de qualquer idade pois a lei protege qualquer pessoa em ambiente escolar ou educativo, não importa a idade da criança, jovem ou adulto que frequente qualquer estabelecimento de ensino; Segundo, a lei não permite que adolescentes e crianças decidam o que querem usar, permite que os pais destas crianças autorizem que elas possam usar as casas de banho e balneários com que se sentem mais confortáveis segundo a sua identidade de género. Agora, pensando duas vezes, achas mesmo que qualquer pai, mãe ou responsável parental vai autorizar isso ao seu filho ou filha só porque sim? Achas mesmo que estas crianças querem passar pela exposição de assumir perante a escola que são crianças trans ou em questionamento identitário só porque é giro?
O que a lei diz é que “a escola, deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes legais, promover a avaliação da situação, com o objetivo de reunir toda a informação relevante para assegurar o apoio e acompanhamento e identificar necessidades organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança ou jovem.” Nada aqui diz que as crianças e jovem podem simplesmente decidir as instalações sanitárias e balneares que querem usar, só porque sim! Tem de existir um motivo! E esse motivo, prende-se com a identidade ou expressão de género diversa da criança ou jovem! E se achas que as crianças e jovens vão inventar serem trans ou inventar que são de um género diferente do que aquele com que realmente se identificam, é porque não tens noção do que é a realidade de ter um filho ou filha trans, ou nunca passaste por isso enquanto criança.
Os assinantes da petição são ainda contra o facto das crianças e jovens poderem escolher “o género e o nome pelo qual querem ser tratados na escola, independentemente do sexo com que nasceram ou do nome que os seus pais lhes deram e que consta na sua documentação.” Esta exigência é descabida.
A lei que permite a qualquer pessoa mudar o seu nome e menção de sexo no registo civil existe desde 2011! No que respeita a crianças e jovens, é permitido desde 2018, e ainda assim, com o consentimento e autorização dos pais ou responsáveis parentais! No que respeita a poder mudar o seu nome e forma de tratamento (de género) na escola, a lei diz novamente que a situação é avaliada junto dos pais ou responsáveis parentais. Logo, descansem! O vosso filho, filha ou filhe, não vai mudar o nome na escola sem o vosso consentimento. Nenhuma escola ou estabelecimento de ensino era idiota ao ponto de o fazer sem vos consultar!
Talvez as mais de 37 mil pessoas assinantes da petição estejam com medo ou dúvidas de que os seus filhos quisessem fazer tal coisa. Talvez esteja na hora de ter uma conversa com eles sobre isso! Será que há motivo para estarem preocupados? Têm uma criança ou jovem cuja identidade ou expressão de género é diversa do que vocês esperavam que fosse?
A petição quer ainda acabar com o que a lei vem definir de: “responsável” escolhido pela escola para estas questões.
Ora bem, se o vosso filho, filha ou filhe, sofrer abusos sexuais por parte de alguém, vocês não querem que haja um responsável, neste caso, na maior parte das vezes, um professor, um psicólogo ou assistente social para o ouvir? Então porque é que não se concebe a ideia de que, se uma criança ou jovem estiver a sofrer no ambiente escolar, por uma questão de identidade de género, que possa haver uma mesma pessoa responsável, que irá ouvir as necessidades da criança e reportará a quem lhe compete?
E a petição termina alegando que: “Queremos defender os nossos filhos e alunos de uma lei que consideramos abusiva e perigosa”.
Abusiva e perigosa? Para quem? É abusivo que uma criança possa sentir-se bem, segura e feliz na escola? É abusivo que uma criança possa ser tratada pelo nome e pronome com que se identifica? É perigoso que uma criança possa ir a uma casa de banho fazer as suas necessidades? De facto, pode ser perigoso para as crianças e jovens trans entrarem numa casa de banho onde podem potencialmente ser agredidas, violentadas ou violadas, só por serem quem são. Podes inclusive saber mais sobre crianças e jovens trans e as dificuldades que passam nos capítulos das SOC-8.
Mas é com os teus filhos que te preocupas! E é natural. Podes pensar que é abusivo e perigoso que a tua criança ou jovem, partilhe a mesma casa de banho ou balneário com outra de sexo oposto. Mas como afirmamos acima, a lei não diz que irão ser criadas casas de banho mistas, de género neutro ou sem género. Diz que pode acontecer sim, os teus filhos partilharem a casa de banho com uma criança ou jovem que se identifica com o mesmo género que o teu filho. E descansa, essa criança ou jovem, só lá estará para fazer o mesmo que o teu: xixi, cocó, lavar as mãos e embelezar-se!
Percebe-se o alarido em torno da polémica das casas de banho mistas (que nem vão acontecer!), mas aqui vai mais uma não-novidade: aí em casa, as casas de banho são mistas! É claro que podem alegar: mas lá em casa o ambiente é seguro! É? Será que é?
Sabias ainda, mamã e papá, que quase 86% dos casos de abusos sexuais contra menores ou crianças são cometidos em casa da vítima?
Portanto, as mais de 37 mil pessoas assinantes da petição contra o texto da proposta de lei:
Podiam estar mais preocupados em proteger as vossas crianças de potenciais agressores em casa, do que na escola!
Na altura, não havia lei nenhuma, nem casa de banho mista nenhuma para impedir isso de acontecer!
Agora vejamos se entendes o que está realmente por detrás desta necessidade de permitir que algumas crianças e jovens possam frequentar a casa de banho de acordo com o género com que se identificam:
Se de acordo com o exemplo acima a criança é tratada por Maria, e toda a comunidade escolar a trata como tal, respeitando o seu género feminino, os seus pronomes femininos e o seu nome autoatribuído, fará sentido que na hora de poder fazer as suas necessidades e de trocar de equipamento ou duchar-se, a criança ou jovem tenha de ser submetida à humilhação e exposição de ter de frequentar a casa de banho/balneário masculino?
Não achas que esta criança ou jovem irá sofrer muito maior discriminação e potencial violência ou violação, como este caso, por exemplo, onde Quatro alunos tentam violar com uma vassoura um colega de 15 anos, numa escola em Braga? Ou estás à espera que o teu filho, filha ou filhe te diga: “Prefiro morrer a ir para à escola” como o Santiago de 11 anos, espancado na casa de banho por simplesmente ser diferente por ter uma doença!
Deixa-me dar-te uma não-novidade novamente: não é preciso haver casas de banho mistas, de género neutro ou sem género para estas atrocidades acontecerem! Elas acontecem por falta de educação afetivo-sexual nas escolas (obrigatória desde 2009) e por falta de currículos que humanizam as crianças e jovens face à diversidade sexual e de género.
Afinal de contas, queremos educar crianças e jovens a maltratar outras pessoas, violentá-las ou matá-las ou queremos que as nossas crianças e jovens sejam pessoas capazes de ter compaixão pela diferença, tornando-se humanos com o coração no sítio?
E se a tua preocupação é que haja algum menino (a fingir querer ser menina) nos balneários e casas de banho das meninas, pensa outra vez!
E digo casas de banho das meninas propositadamente! Alguém está preocupado com uma menina (a fingir querer ser menino) a entrar nos balneários e casas de banho dos meninos? Não!
É claro que a principal preocupação é com as meninas, pois meio que está incutido na sociedade que uma pessoa com pénis é mais agressivo e potencial predador sexual (mesmo que seja uma criança ou jovem). Repara bem nos estereótipos e no (in)consciente coletivo sobre o masculino. Certamente, se és mãe ou pai de um menino, não é isso que pensas dele.
As mães e pais estão preocupados que crianças e jovens do sexo masculino, possam usar esta lei (que desconhecem) a seu favor para entrar nas casas de banho e balneários femininos! Vamos lá a ver se nos entendemos:
– Primeiro, as crianças e jovens não conhecem nem estão preocupadas com esta situação!
– Segundo, nunca foi preciso haver uma lei nem casa de banho mista, de género neutro ou sem género para que, por sua própria e livre vontade, qualquer jovem do sexo masculino ou feminino entre na casa de banho dita contrária!
Basta puxar pela vossa memória, mamãs e papás, que vão certamente lembrar-se de episódios da vossa infância onde se encontraram na casa de banho contrária, ou encontraram na vossa casa de banho, pessoas do sexo e/ou género oposto, que por brincadeira ou maldade, lá estava!
E não querendo ferir suscetibilidades a quem lê, não foi por isso que deixaram de ver rapazes a mostrar a pilinha contra a vossa vontade, fosse na casa de banho, fosse no recreio em pleno céu aberto, fosse atrás do pavilhão onde a malta fumava às escondidas, fosse onde fosse.
E mais! Não foi também por não haver uma lei, ou casas de banho mistas, que vocês ou os vossos amigos e amigas deixaram de ter interações e relações sexuais consensuais! E também não foi por haver uma lei ou casas de banho mistas, que as vossas crianças e jovens sofreram violações por parte de outros jovens ou adultos nas escolas ou em contexto escolar! Nunca foi preciso lei nenhuma, nem casa de banho mista nenhuma, para isso acontecer!
E agora perguntam: pois, mas isso não poderá facilitar essas situações?!
A comunidade escolar, neste caso, direção, pessoal docente e não docente, saberão quem são estas crianças e jovens que precisam de ver este seu direito à autodeterminação respeitado. Logo não precisam de se preocupar tanto com isso porque estas crianças e jovens estarão a ser acompanhadas para tal, pois a escola deve garantir que nenhum mal lhes é feito.
Volto a repetir, a escolha da casa de banho ou balneários só poderá ser feita em casos pontuais, para crianças e jovens que questionam a sua identidade de género ou estão em transição de género, sendo toda a situação vista com pais, mães ou responsáveis parentais destas crianças e jovens, que irão autorizar tal situação.
E vamos agora ao último ponto, que já venho a mencionar: O vestuário!
As crianças e jovens vão poder usar o vestuário que quiserem!
A lei diz que as escolas devem emitir orientações para que:
c) Seja respeitada a utilização de vestuário no sentido de as crianças e dos jovens poderem escolher de acordo com a opção com que se identificam, entre outros, nos casos em que existe a obrigação de vestir um uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo.
Neste caso, só se aplica às escolas ou ambientes escolares que usam farda diferenciada por sexo. Ou seja, saia para as meninas e calça para os meninos.
Aqui não me parece que estejam minimamente preocupados, pois qual vai ser a criança ou jovem idiota, que só porque sim, vai querer usar a farda contrária à que sempre usou, passando a poder ser alvo de chacota, galhofa, fofoca e bullying na escola?
Este era um problema para as crianças e jovens cuja identidade ou expressão de género é diversa e que podem agora, finalmente, usar a farda adequada ao género com que se identificam, de forma a poderem sentir-se melhor consigo e com o mundo ao seu redor.
Quem me dera a mim, que na minha altura existisse esta lei! Frequentava um colégio onde as fardas era diferenciadas por sexo. E já na altura, não sabia obviamente que era uma criança trans mas sabia que não era aquela farda que eu queria usar. Era a dos meninos!
Lembro-me como se fosse hoje! Tinha menos de 9 anos e muitas foram as manhãs em que chorei, pedindo à minha mãe para não me vestir as collants e o vestido/saia obrigatórios do uniforme. Durante 5 anos da minha vida tive de o fazer, obrigatoriamente! Não foi isso que me fez não ser trans, portanto tirem das vossas cabeças, que isso é favorecer que a criança ou jovem venha a mudar de sexo!
E por último, às mamãs e papás ou responsáveis parentais desorientados ou mal informados, não deixem de enviar mensagem para nós a pedir esclarecimentos! Teremos todo o gosto em facultar-vos apoio.
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Fontes consultadas:
Relatório Anual de Segurança Interna 2022
Despacho n.º 7247/2019 | DR (diariodarepublica.pt)
DetalheIniciativa (parlamento.pt)
Uma resposta
Já perdi a conta da quantidade de vezes que li este texto e de todas elas, tenho pontos diferentes de atenção… Em todos eles “só” tenho muito orgulho em ti e em te chamar de irmão, orgulho do homem que te tornaste, do ser humano que és, orgulho de conseguires fazer da tua dor, um ato de amor ao próximo