Cuidados de Saúde de Afirmação de Género: desafios em Portugal e no Mundo

cuidados de afirmação de género

Em todo o mundo, pessoas transgénero e cisgénero recorrem aos chamados cuidados de saúde de afirmação de género (gender-affirming care em Inglês), como por exemplo, quando um homem (trans ou cis) necessita de tomar hormonas (testosterona), ou quando uma mulher (trans ou cis) realiza uma cirurgia de aumento mamário.

No entanto, as políticas que guiam o acesso a esses mesmos cuidados não são consistentes nem consensuais, variando de país para país.  Essas mesmas diferenças foram discutidas numa sessão do 28º simpósio científico da World Professional Association for Transgender Health (WPATH) no passado dia 27 de Setembro em Lisboa.

Cuidados de afirmação de género são obrigatórios e essenciais

Especialistas e profissionais de saúde que providenciam cuidados a pessoas trans e de género diverso, afirmam que estes cuidados são essenciais para melhorar o bem-estar físico e mental das pessoas que procuram serviços relacionados com transição (ou afirmação) de género e/ou sexo.

O consentimento livre e informado é fundamental para uma boa prestação de serviço. De notar que em Portugal, nenhuma criança ou jovem realiza qualquer procedimento parcial ou totalmente irreversível sem atingir os 16 anos e obter consentimento/autorização parental, ao contrário do que certos movimentos e partidos políticos falsamente espalham nas redes sociais.

O quadro legal para o reconhecimento de identidade de género avançou significativamente com a aprovação da Lei n.º 38/2018, a chamada lei da autodeterminação, que permite o reconhecimento da identidade de género de maiores de 16 anos sem a necessidade de um diagnóstico médico, o que representa um marco importante no acesso a cuidados de afirmação de género.

É importante também referir, tal como salientado pela Human Rights Watch, que o direito internacional obriga os Estados a fornecer cuidados de afirmação de género a adultos e jovens, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança. No entanto, especialistas e profissionais de saúde salientaram que essa obrigação está longe de ser universalmente cumprida.

Diferenças entre países no acesso a cuidados de afirmação de género

Países como a Austrália e a Itália exigem o consentimento parental para que jovens acedam a esses cuidados—variando de um a dois responsáveis parentais, respetivamente. Já em certos Estados dos EUA, é permitido que jovens com 16 anos ou mais recebam cuidados de afirmação de género sem a aprovação dos pais. Em contraste, países como a Rússia proíbem completamente os cuidados afirmação de género, tanto para jovens como para pessoas adultas.

Na Europa, um dos países que mais tem regredido nos cuidados de afirmação de género é o Reino Unido, que após o lançamento de um polémico relatório (Cass Review) decidiu suspender o acesso de jovens a bloqueadores da puberdade, uma vez que o estudo levantava “preocupações” com a falta de evidências suficientes sobre os impactos a longo prazo.

Em países como a Argentina, a Bélgica e o México as políticas progressistas parecem ser só no papel, uma vez que a cobertura de seguros de saúde é frequentemente parcial ou exige que as pessoas trans paguem primeiro e sejam reembolsadas depois. Isso claramente aumenta as desigualdades no acesso entre a própria comunidade.

Retrocessos nos cuidados de afirmação de género em Portugal

Em Portugal, o até então mencionado centro de referência para mudança de sexo e ou género, o centro da URGUS, do Hospital de Coimbra, fazia todas as cirurgias de mudança de género. Fontes próximas e as próprias pessoas trans têm reportado que o hospital mudou as suas políticas e que deixou de fornecer a cirurgia de aumento mamário para mulheres trans, alegando que as hormonas dadas fazem crescer a mama o suficiente para que sejam comparáveis à de uma mulher cis. Sabemos também que o hospital afirma que uma vez que não executa cirurgias de aumento mamário em mulheres cis que tenham o peito muito pequeno, também não executa em mulheres trans.

Não podemos esquecer que igualdade e equidade são coisas diferentes. Uma mulher cisgénero, não sente, à partida, disforia de género, apesar de poder sentir-se desconfortável, infeliz ou insatisfeita com o seu corpo, tem em si, todo um conjunto de outras características, como a voz, a estrutura óssea, as características sexuais com que nasceu, e outros fatores que a possam fazer sentir-se conectada e alinhada ao seu género. Consideramos que estas decisões de não realizar procedimentos de género em pessoas trans, só porque não os realizam em pessoas cis, não devem ser tomadas tão levianamente.

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