Dia da visibiliade trans – Quantas pessoas trans viste hoje?

Dia da visibilidade trans

Dia 31 de Março celebra-se o Dia da Visibilidade Trans. 

Quantas pessoas trans viste hoje? Quantas são homens? Quantas são mulheres? Quantas são não binárias ou de género diverso? Não fazes a menor ideia pois não? Deixa-nos dar-te uma novidade: não há nada, nem sinal nenhum na cara, nem letrinha na testa, nem roupinha queer que denuncia se a pessoa é, ou não, transgénero.

 

Neste artigo vais ficar a perceber:

 

 

O que é uma pessoa trans?

 

A confusão pode ser grande se nunca ouviste falar do tema ou, principalmente, quando já ouviste falar do tema de forma inadequada, cheia de negatividade, estereótipos ou representações falsas. Desde já, não estamos aqui para te fazer mudar de ideias sobre pessoas transgénero, estamos aqui apenas para te contar emoções, histórias, experiências e factos vividos por essas pessoas.

Para que todas as pessoas que nos leêm, tal como tu, não fiquem confusas, é crucial que o termo transgénero seja compreendido de forma simples. Mas vamos ao que interessa. O melhor termo que podemos dar-te neste momento é:

 

“Uma pessoa transgénero é alguém cujo sexo atribuído à nascença  é diferente de quem sabe que se é no seu íntimo”.

 
Espera, não é simples o suficiente, pois não? Vamos por partes:
 
  • sexo atribuído – refere-se ao registo da menção de sexo no cartão de identificação (cidadão). Aquele M ou F que aparece no cartão, que indica Macho e  Fêmea, e não Masculino ou Feminino (estas ultimas referem-se a género, não a sexo, mas já lá vamos).
 
Imagem de marcação de sexo no cartão de cidadão.
 
 
  • à nascença – refere-se ao facto de esse registo ser feito quando o bebé nasce e ao facto de te atribuírem um determinado género, consoante o sexo que apresentes no nascimento. Também te fizeram isso: assim que nasceste, olharam para o teu órgão genital, e consoante o que viram, disseram “é menino” ou “é menina” (género). Na realidade deveriam antes dizer: “é machinho” ou “é fêmeazinha” (sexo).
 

Aqui há que entender que ninguém te deu a hipótese de escolha de nascer com determinado genital (isso acontece por processos biológicos que fazem com que tenhas determinadas caraterísticas sexuais). E ainda que isso represente um determinado “típico” sexo, ninguém te dá a hipótese (nem tu o sabes, assim que nasces) de escolher se queres ser menino ou menina (género), apenas olham para o teu sexo genital, e puff, dão-te uma caixinha de género. E acredita, nem sempre basta um olhar para acertar! As pessoas intersexo podem possuir diferenças nas caraterísticas sexuais ou anatomia reprodutiva que não são visíveis a olho nuIsso significa, que nem sempre, se nasce com características sexuais só masculinas, ou só femininas.  

 

 Voltando ao termo:

  • diferente – significa que não é igual, que não corresponde. Neste caso, a palavra correta é mesmo diferente ou diversa e não a palavra “oposto”, ainda que seja mais fácil de a perceberes. Dizer “oposto” significa que apenas haveria duas possibilidades de se sentir ou de se saber ser de determinado género. Ainda que a maior parte das pessoas esteja formatada a pensar que só se pode ser “Homem” ou “Mulher”.
 
  • quem sabe que se é no seu íntimo – saber que se é, significa que existe uma consciência de si enquanto pessoa, de quem se é. Tu certamente, também sabes quem és, também sabes no teu íntimo o que és, não precisas que ninguém te diga o contrário, pois sabes no teu íntimo que o és.

 

Por exemplo, se sentires no teu íntimo que és uma pessoa de bem, amiga, que se preocupa com outras pessoas, não é por alguém dizer que és má pessoa, ruim, que és egoísta ou narcisista, que isso vai mudar a forma como sabes que és. 

Para completar o termo, podemos acrescentar que:

“Muitas pessoas transgénero tomam hormonas, prescritas por profissionais de saúde, para modificar os seus corpos. Algumas também se submetem a cirurgias”.

 
Esta frase extra ajuda-te a perceber que nem todas as pessoas transgénero podem fazer ou decidir fazer as mesmas coisas. Algumas realizam cirurgias ou tomam hormonas para modificar os seus corpos, de forma a sentirem-se de acordo com o género com que se identificam, enquanto outras não.
 
Portanto, de uma forma simples, uma pessoa trans, ou transgénero, é uma criança, jovem, pessoa adulta ou idosa que, em algum momento da sua vida, sabe que o sexo que lhe foi atribuído à nascença não corresponde ao que sabe ser a sua real identidade.
 
Precisamente porque muitas pessoas recorrem a determinados procedimentos de afirmação de géneropara modificar características corporais visíveis externamente ou interiormente, algumas passam a ser pessoas transgénero cis passíveis. 
 
E aqui perguntas: Cis o que? O que é cis? O que é cis passíveis?
 
Primeiro, a palavra cis é um diminuitivo usado para se referir a pessoas cisgénero, ou seja, o oposto de pessoas transgénero. Nesse caso, se te foi atribuído um determinado sexo à nascença com base no órgão genital (vamos supor fêmea) e no teu íntimo tu sabes, sentes e pensas sobre ti enquanto Mulher (género feminino), então, à partida, serás uma pessoa cisgénero. 
 
Conforme dizíamos acima, algumas pessoas trans que se submetem a determinados procedimentos, podem adquirir caraterísticas de determinado género, e isso faz com que “passem por pessoas cisgénero”, ou seja, com que não te seja possível identificar visivelmente ou exteriormente, que aquela pessoa é uma pessoa trans. Atenção: não que as pessoas trans tenham de ser de determinada forma, não que tenham de seguir determinados padrões sociais, ou que tenham de possuir características visíveis que as identificam. Não é isso que estamos a dizer. No entanto, muitas são as pessoas que, sem querer, achando que estão a dar um elogio ou piropo à pessoa trans, lhes dizem muitas vezes: 
 
  • “A sério que és trans? Nunca diria!” 
  • “Enganavas-me bem! Não se percebe nada que já foste mulher (ou homem)!”
  • “Uau, fizeram um excelente trabalho, isso foi tudo com cirurgias faciais?”
 
 

Este tipo de comentários levam-nos a perceber que, socialmente, há quem considere que existem determinadas caraterísticas que fazem as pessoas trans passar mais despercebidas, ou seja, fazer com que a sociedade não perceba que nasceram com determinado sexo, diverso do género com que se identificam. 

 

 

O que é ser passível?

 

Ser passível é exatamente isso, é “passar” por algo. Neste caso, uma pessoa trans que seja passível é uma pessoa transgénero que parece ser cisgénero. Ou seja, imagina: uma mulher trans passível, é uma mulher que, por aquisição de determinadas características (seja por processos de terapia hormonal, por cirurgias, ou outras terapias) será socialmente vista como mulher cisgénero, isto é, a sociedade não vai perceber que aquela mulher nasceu com características sexuais masculinas (macho).

Por exemplo, eu, Andreo Gustavo, criador da TransParente, sou um homem transgénero que já realizou terapia hormonal e cirurgias que permitem à sociedade, tratar-me facilmente como homem (género com o qual me identifico), por associação direta de determinadas caraterísticas “típicas masculinas” (por exemplo, a existência de barba, não possuir seios volumosos, etc.) não sendo visível, que ao nascer, possuía características sexuais femininas, tendo-me sido atribuído o sexo Fêmea.

 

 

Imagem de uma pessoa de sexo fêmea atribuido à nascença, a sorrir e com uma cobra ao pescoço.

Quando, em adolescente, o nome social era Andreia e visualmente aparentava pertencer ao género feminino.

Andreo Gustavo

Agora, ganhei características físicas  e corporais masculinas através de procedimentos de género.

Agora deixa-me contar-te uma história:

Como podes perceber, o meu sorriso é visível e continuou o mesmo, mudou apenas a estrutura óssea, a voz, a pilosidade, a massa muscular, entre outras mil coisas, mas a personalidade e identidade floresceu. Sinto-me agora realmente genuíno e verdadeiro, sinto que posso ser quem sinto que sou. Descobri que afinal gosto muito mais de comunicar do que a pessoa introvertida e tímida que era. 
E isso é novamente muito visível! A descoberta da identidade trans pode trazer coisas boas bem visíveis, de facto, se o caminho for de apoio e aceitação.

 

 

Falando na terceira pessoa sobre mim:

O Andreo tem um privilégio que muitas pessoas trans não têm:  é considerado uma pessoa cis passível! (agora que já entendeste o que significa), e por esse motivo:

  • Quando anda na rua, ninguém percebe ou reconhece que nasceu com o sexo fêmea (a não ser que o reconheçam de programas de tv ou palestras que tem dado).
 
  • Não vê as suas oportunidades de trabalho limitadas, pois nas entrevistas ninguém percebe que ele, já foi ela. 
 
  • O seu cartão de cidadão já tem o nome e menção de sexo masculino, por isso não tem de passar constrangimentos nem explicar a ninguém o porquê de ter um nome ou sexo diferente do seu “visual” ou “aparência”. 
 
  • Pode sair à rua durante o dia e durante a noite, que bem provavelmente, não terá medo, não terá de se preocupar se está a ser perseguido, não terá de evitar certas ruas, nem de esconder quem é!
 
  • Pode ir à praia e às piscinas e mostrar o seu peito que ninguém vai notar cicatrizes e perguntar o que é aquilo. Ninguém vai fazer cara estranha por ele ter peito masculino porque o Andreo aparenta ser masculino!
 
  • Não tem de levar as amigas para as consultas de saúde e “obrigá-las” a se levantarem quando ouvirem o seu nome ser chamado porque o nome que ouve é aquele com que se identifica: “Andreo, por favor dirija-se ao gabinete 7”.
 
  • Pode estudar exatamente o que quiser, e trabalhar no que quiser, porque lhe vão ser dadas todas as oportunidades para que cresça e desenvolva o seu potencial.
 
E porque esse privilégio acontece? Porque a sociedade o permite. Porque a sociedade premeia quem vai de acordo com as normas! E por contrapartida, exclui quem é diferente da norma, exclui quem é diferente do “típico” masculino ou feminino. É por isto, que muitas pessoas trans desejam ser “o mais passíveis possível”. 
 
Se o Andreo não pudesse ter realizado qualquer procedimento de género (por qualquer motivo que fosse), e consequentemente não pudesse adquirir características físicas e corporais “típicas” masculinas, então certamente que a história seria outra!
 
Infelizmente, histórias felizes como a do Andreo (a minha) são poucas. Principalmente para pessoas trans femininas e pessoas trans não binárias. Por isso é importante que percebas a necessidade de tornar visível as várias identidades trans.
 
 

Porque celebramos o Dia Internacional da Visibilidade Trans?

 
O Dia Internacional da Visibilidade Trans é um dia onde as identidades trans saem à rua, reclamando o seu direito de SER quem são, independentemente dos seus corpos, das suas orientações afetivo-sexuais, das suas identidades de género e claro, da forma como expressam a sua identidade.

É um dia que pretende aumentar a consciencialização das pessoas para a existência de diversidade de género, para a existência de pessoas trans, que merecem os mesmos direitos que qualquer outra pessoa cisgénero. É também um dia que te mostra o quanto já foi conquistado e o que ainda falta conquistar em matéria de direitos.

É também um dia que pretende chamar a atenção da sociedade que continua a contribuir para a pobreza, discriminação, precariedade laboral, exploração sexual, entre outras coisas, tudo porque continua a perpetuar estigmas e estereótipos de género, prejudiciais a todas as pessoas.

 

Porque toda a sociedade ganha?

 
Precisamente porque o preço da exclusão é enorme! Não só para pessoas LGBTQIAP+, e em especial para pessoas trans, mas sim para todas as pessoas.
O preço de excluir, de discriminar, de violentar, seja quem for, é uma tragédia mundial.
Toda a sociedade ganha ao incluir e respeitar identidades trans.

Por isso, da próxima vez que olhares para alguém, lembra-te que essa pessoa pode perfeitamente ser trans e tu não o saberes. Trata qualquer pessoa com respeito, com dignidade, com amor. Oferece-lhe a oportunidade de ver os seus direitos respeitados, principalmente o direito a existir.

O que podes fazer para ajudar?


  1. Usa os nomes e pronomes com que a pessoa se identifica;
  2. Não perguntes coisas intimas, especialmente sobre cirurgias ou órgãos sexuais, sem saberes que a pessoa está confortável em falar sobre o assunto;
  3. Reporta às autoridades qualquer violência ou crime contra pessoas trans que presencies;
  4. Junta-te a ações que ajudam a proteger os direitos de pessoas trans;
  5. Informa-te e educa-te, há imensos cursos e formações sobre a temática;
  6. Contribui conforme podes para apoiar a causa;
 
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