Já imaginaste o que seria descobrires agora, com a idade que tens, que afinal nasceste com órgãos reprodutores e/ou cromossomas do sexo oposto? Pois é, dou-te as boas-vindas à vida de uma pessoa que se descobre intersexo.
Neste artigo:
- Conhece a história de Irina
- Quantos sexos existem?
- O que é uma pessoa intersexo?
- Porque não há registos de criança intersexo?
- Qual a importância de respeitares a diversidade sexual de cada pessoa?
Conhece a história de Irina
Irina tinha 14 anos, não menstruava, nem tinha os seios desenvolvidos. Constrangida por ser a única adolescente da sua escola assim, pediu para ir ao ginecologista. Começou então um tratamento hormonal, durante uns meses, para estimular os seus ovários, mas sem sucesso.
Aos 15 anos, enquanto aguardava uma consulta no hospital, Irina ouvia os comentários dos profissionais de saúde que discutiam o caso, sobre o que iam fazer ao seu corpo. Sem que nada lhe fosse explicado, o pai disse-lhe que ia ter de fazer uma pequena cirurgia. E assim foi, sem mais explicações. Anos mais tarde, durante uma conversa com o pai, este revelou-lhe que os seus ovários tinham sido removidos.
Foi aqui que Irina decidiu começar a investigar os seus registos médicos, e aos 22 anos descobriu que, durante a infância também lhe tinha sido removido um testículo que continha esperma, bem como tecido não saudável que funcionava com os seus ovários. Descobriu ainda que tinha apesar de possuir útero e um sexo atribuído como feminino, Irina possui cromossomas femininos e masculinos.
Irina sofreu bullying na escola, odiava-se a si mesma e automutilava-se. Estas são as graves consequências da desinformação, da descontextualização e da dessensibilização. Por, ainda, se acreditar que tudo o seja minimamente fora da norma, é descredibilizado. Norma esta estipulada pelo contínuo apagamento e invisibilidade de tudo o que se considera diferente.
Com certeza, responsáveis parentais e profissionais de saúde acreditavam estar a fazer o melhor para Irina, contudo nunca lhe passaram a informação verdadeira sobre quem era, e a capacidade de decisão e reconhecimento sobre o seu próprio corpo.
Quantos sexos existem?
De forma simples, o sexo é parte das características sexuais que existiam entre as pernas quando nasceste, isto é, aquele órgão genital externo visível. Sim, porque ninguém te vai ver os teus órgãos internos, nem o sexo cromossomático (cromossomas), se parecer que tens “tudo no sítio”.
Mito: Só existem dois sexos e só se pode nascer com um ou com o outro.
Algumas pessoas nascem com pauzinho e tomatinhos, outras com ostrinha ou berbigão e outras, ainda, com uma espécie de lingueirão, ou de pauzinho sem tomates, pauzinho com um só tomate, uma ostrinha com pauzinho, ou um berbigão com uma bolsinha de tomates. Deixa de achar que isso é anormal, só porque nunca te o ensinaram na escola.
Essas diferenças de parâmetros de macho e de fêmea não acontecem só no órgão genital externo
(visível). Acontecem também internamente, onde não conseguimos ver, podendo correr no sexo cromossomático (cromossomas ou genótipo) ou nos gónadas internos (órgãos internos). A nível genético, os cromossomas do grupo 46 são os responsáveis por nos atribuir determinadas
características sexuais. Se a pessoa tiver cromossomas 46XX é considerada, geneticamente, mulher, se tiver cromossomas 46XY é considerada, geneticamente, homem.
Pergunta para queijinho: e se os cromossomas 46 forem XXY, XYY, XXX, X0, XX/X0 ou XY/X0?Resposta de movimentos anti-género ou anti-lgbtqi: são aberrações, erros da natureza, deformidades ou malformações. Queijinho perdido.
A verdade é que estamos provavelmente perante uma pessoa intersexo. São conhecidas mais de 40 possibilidades de diversidade sexual.
O que é uma pessoa intersexo?
Ora bem, de acordo com o nosso glossário, uma pessoa intersexo é alguém que possui características sexuais, ou anatomia reprodutiva, diversa da tipificada para macho ou fêmea. Essas características podem surgir no nascimento ou desenvolverem-se ao longo do desenvolvimento da pessoa (muitas vezes durante a puberdade).
Antigamente era usado o termo hermafrodita para designar pessoas intersexo. Termo esse que está em desuso, e pode ser considerado pejorativo, pelo que só deve ser usado por quem assim se identifica, ou dirigido a quem assim se identifica.
Não queremos que vás a correr ao centro de saúde pedir análises aos cromossomas, ou exames à tua anatomia reprodutiva, mas pode acontecer que sejas intersexo e não saibas disso.
Porque não há registos de criança intersexo?
No caso de Irina, no teu caso ou no de muitas outras pessoas, os pais ou responsáveis parentais, com as suas expectativas de ter um menino ou menina, nunca tinham pensado na possibilidade de que a sua criança pudesse nascer com essa diversidade. Se a criatura nasce com órgão genital diverso de macho ou fêmea, está o caldo da açorda de marisco entornado. Começa a guerra dos sexos. Prontamente a equipa médica, se apressa a fazer os exames complementares necessários, para se perceber como registar a criança. E agora, vai ser macho ou vai ser fêmea? Vamos cortar o pauzinho, tirar os tomatinhos ou fechar a ostrinha.
Ora bem, a lei portuguesa, apesar de, desde 2018 proteger as pessoas interexo e reconhecer que as suas características sexuais devem ser protegidas, ainda não permite o reconhecimento legal de crianças, jovens ou pessoas adultas que sejam intersexo. E claro, se todos os bebés devem ser registados, quem tem de decidir se é macho, ou se é fêmea são os responsáveis parentais, de acordo com o registo médico. Entre a espada e a parede, têm de decidir. E ainda que a lei proíba a realização de qualquer cirurgia aos caracteres sexuais de menores intersexo, até que se manifeste a sua identidade de género, ou seja, tenham a capacidade de se autodeterminar livremente como sendo de determinado género (seja masculino, feminino ou outro), o registo tem de ser feito de acordo com um dos endosexos (macho ou fêmea).
Por esse motivo, não há registo de crianças intersexo. Então e pessoas adultas há registo? Poderias perguntar. A resposta é não. Ainda que a pessoa venha a descobrir na fase adulta, que é intersexo, a Lei portuguesa não permite o registo de pessoa intersexo, apenas de pessoas endosexo (macho ou fêmea).
Qual a importância de respeitares a diveridade sexual de cada pessoa?
Crianças, jovens e pessoas adultas que sejam intersexo, são simplesmente pessoas com diversidade sexual. Porque haverão de merecer ser maltratadas, sujeitas a mutilações dos seus corpos, ou a violações dos seus direitos humanos? São pessoas humanas como qualquer outra, que merecem o mesmo respeito, igualdade e não discriminação.
Estima-se que, haja tantas pessoas intersexo quanto ruivas, ou seja, até 2% da população seja intersexo. Segundo alguns especialistas, a percentagem de pessoas com características intersexo, varia entre 0.05 e 1.8%. Verifica os factos que as Nações Unidas apresentam (texto inglês).
Sabe-se também que alguns estudos afirmam que entre 8.5 a 20% de pessoas intersexo, podem questionar a sua identidade de género, sentir-se desconfortáveis com o seu corpo e/ou género associado, ou que, em algum momento da sua vida, decidem fazer uma mudança de género ou de sexo.
Ora, se nenhuma pessoa intersexo nega a existência de pessoas endosexo, porque haverás tu (se não fores intersexo) de negar a existência de quem é intersexo? Que culpa têm a crianças, jovens ou pessoas adultas, de ter nascido diferentes de ti em termos de características sexuais ou anatomia reprodutiva?
A diversidade sexual de cada pessoa merece ser respeitada, fazendo com que qualquer pessoa, esteja livre de perseguição, maus-tratos, mutilações, violações, discursos de ódio, violência ou discriminação. Muitas pessoas intersexo são vítimas da sociedade, porque esta que tem medo do desconhecido, alimenta-se de desinformação e vive do sensacionalismo.
Não sejas essa sociedade. Abraça a diversidade!