Pessoas trans ou redes sociais: Qual o verdadeiro perigo para as crianças e sociedade?

Uma bandeira trans e icones de redes sociais representando Pessoas trans e redes sociais

As redes sociais, inicialmente construídas para conectar pessoas, disponibilizar acesso a informações e aproximar comunidades, rapidamente se tornaram num terreno fértil para a desinformação, assédio e discursos de ódio. Entre os grupos mais afetados por essa escalada na violência digital estão as pessoas trans. Num mundo já marcado pela discriminação e exclusão, as redes sociais amplificam esses problemas e geram milhões à sua custa.

As redes sociais atuam como uma extensão das dinâmicas de poder na sociedade, com o privilégio da sensação de anonimato que domina por detrás dos ecrãs. Ao possibilitarem o retrocesso nos direitos humanos, e sobretudo, o ódio contra as pessoas trans e outras minorias, reforçam a discriminação presente diariamente nas vidas das pessoas trans e desresponsabilizam-se do comportamento nas suas plataformas através dacontroversa Secção 230 da Lei da Decência das Comunicações dos Estados Unidos da América (EUA).

 

O que é a Secção 230 e como desprotege as crianças e a sociedade?

A Secção 230 da Lei da Decência nas Comunicações dos EUA (Communications Decency Act) foi criada em 1996 para proteger as plataformas digitais de serem responsabilizadas pelo conteúdo gerado pelos usuários. No entanto, nas últimas décadas, essa legislação passou de uma ferramenta para o crescimento da internet para uma cortina de fumo que permite que grandes empresas ignorem a disseminação de abusos nas suas plataformas.

Casos recentes demonstram como essa legislação tem sido usada como um escudo para evitar que as redes sociais enfrentem as consequências do seu papel na amplificação do ódio, violência e desinformação.

  • Grindr: O aplicativo de encontros para homens gays e bissexuais, e pessoas trans, usou a Secção 230 para rejeitar um processo movido por Matthew Herrick, que foi perseguido e teve sua identidade falsificada no app. Apesar de enviar mais de cem queixas ao Grindr, a empresa recusou-se a agir. A aplicação é um ambiente altamente inseguro para as vítimas de assédio.

 

  • TikTok: Quando uma mãe processou o TikTok pela morte da sua filha, que tentou o perigoso “desafio do apagão” promovido pelo algoritmo da plataforma, o TikTok também usou a Secção 230 para evitar a responsabilidade.

 

  • Meta (Facebook e Instagram): A Meta, proprietária de Facebook e Instagram, está atualmente a usar a Secção 230 para rejeitar um processo movido por pais e procuradores-gerais, alegando que o design viciante dessas plataformas é prejudicial às crianças e adolescentes.

 

  • YouTube e Reddit: Vítimas de um tiroteio em massa em Buffalo, em Nova York, processaram YouTube e Reddit, argumentando que os algoritmos dessas plataformas fomentaram o ódio racial. Ambas as plataformas também usaram a Secção 230 como defesa.

 

Estes casos exemplificam como as plataformas se protegem de enfrentar as consequências do seu impacto na vida das pessoas, evitando tomar medidas eficazes para conter abusos e ameaças.

Em Portugal, muitas são as pessoas que através das redes sociais fazem uso do que dizem ser a sua liberdade de expressão para disfarçadamente perpetuarem os seus discursos de ódio, desinformação e discriminação.

 

Como as redes sociais agravam o ódio contra pessoas trans?

Nos últimos anos, as redes sociais têm sido usadas como ferramentas de assédio, discriminação e desinformação. Relatórios de organizações como o Center for Countering Digital Hate (CCDH) mostram como as redes sociais estão a falhar em proteger pessoas trans e como os seus algoritmos podem amplificar conteúdo de ódio.

Um relatório de 2023 do CCDH revelou que as redes sociais como Facebook, Instagram e Twitter (o atual X) permitiram a disseminação de mais de 1,5 milhão de postagens anti-trans, muitas das quais incitam a violência e promovem desinformação sobre a comunidade trans. Quando confrontadas com essas práticas, as plataformas escondem-se por trás da Secção 230, permitindo que o abuso continue sem repercussões.

A verdade é que as pessoas trans, longe de serem um “perigo” para a sociedade, são frequentemente transformadas em bodes expiatórios por aqueles que desejam manter estruturas de poder conservadoras e excludentes. O verdadeiro perigo reside na inação das redes sociais, que deixam que o ódio se espalhe sem qualquer controlo.

Desde o início do Projecto Trans Murder Monitoring, da TGEU, que mais de 5,400 trans e de género diverso foram reportadas mortas.  Só no período de Outubro de 2022 a Setembro de 2023, foram documentados 320 assassinatos. E estes dados apenas contabilizam assassinatos, deixando de fora mortes por suicídio ou outras que possam estar na origem da morte de pessoas trans e de género diverso.

 

Quando o ódio gera dinheiro, essa é a real ameaça!

Como sabemos, toda a polémica gera interesse! O problema central das redes sociais não está apenas nas pessoas que as usam e que, consciente ou inconscientemente, promovem discursos de ódio, mas também nos próprios algoritmos dessas plataformas. Redes sociais como o Instagram, Facebook, YouTube e TikTok usam algoritmos que privilegiam conteúdo que viraliza, e infelizmente, conteúdo extremista e odioso é extremamente eficaz em manter as pessoas interessadas e viralizar. O ódio contra a comunidade trans é um dos temas que mais gera cliques, likes, partilhas e comentários, o que torna esses conteúdos virais.

Esses algoritmos são desenhados para maximizar o lucro, mesmo que isso signifique amplificar vozes de ódio e desinformação. Esse design é viciante e prejudicial, especialmente para crianças e adolescentes cuja identidade está a formar-se. Além disso, plataformas que permitem o anonimato, como o Snapchat (e o agora extinto Yolo), têm sido usadas para a disseminação de abusos sem qualquer forma de controlo efetivo.

O caso de Carson Bride, que cometeu suicídio após receber centenas de mensagens abusivas através do Snapchat e Yolo, é um exemplo trágico de como a falta de responsabilização por parte das empresas de tecnologia pode ter consequências devastadoras.

 

A Responsabilidade das Redes Sociais

As redes sociais não podem continuar a evitar a responsabilidade pelo conteúdo que promovem. A legislação internacional existente tem permitido que essas plataformas evitem fazer mudanças significativas para proteger quem as usa.

É necessário mudar o que os algoritmos priorizam, é necessária mais transparência sobre a moderação de conteúdo e punições reais para as pessoas que perpetuam violência e discriminação.

 

O real perigo é….

Enquanto o discurso transfóbico continua, diariamente, a pintar as pessoas trans como uma ameaça à sociedade, é crucial inverter essa narrativa. As pessoas trans são os maiores alvos de ódio e violência, e o verdadeiro perigo para a sociedade não está em si, mas antes nas redes sociais que permitem que esse ódio prospere sem controlo.

A recusa em assumir responsabilidades, por parte de quem detém o poder da gestão destas redes sociais, e das consequências mundiais a que assistimos, essa sim, é a verdadeira ameaça, da qual muitas vezes somos vítimas mas também cúmplices.

Faz a tua parte: Pensa antes de publicar. Não pode existir espaço para ódio! Tu fazes parte da mudança!

 

Referências:

Center for Countering Digital Hate (2023). Toxic Twitter: How Twitter Makes Millions from Anti-LGBTQ+ Rhetoric.

Center for Countering Digital Hate, Human Rights Campaign (2022). Digital Hate: Social Media’s Role In Amplifying Dangerous Lies About LGBTQ+ People.

Transgender Europe (TGEU) (2023). Trans Murder Monitoring Update Trans Day of Remembrance 2023.

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