Portugal tem sido frequentemente elogiado pelas suas leis progressistas relativamente aos direitos das pessoas LGBTI – lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo. Mas será motivo para elogios?
Entre os marcos mais notáveis está a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2010, a autodeterminação da identidade e expressão de género em 2018, e a proteção das características sexuais das pessoas intersexo. No entanto, um novo estudo da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) revela um contraste inquietante: apesar dos avanços legais, a comunidade LGBTI+ ainda enfrenta desafios significativos em termos de discriminação, violência e preconceito.
Descobre agora como está a realidade das pessoas LGBTI+ em Portugal e na Europa.
Discriminação Persistente
“Portugal em particular é muito progressista em termos de legislação LGBTQIA+, mas não socialmente.” – Homem bissexual, 24 anos
Embora Portugal tenha feito progressos em termos de legislação LGBTI+, o estudo da FRA revela que ainda há muito trabalho a ser feito para garantir a igualdade e o respeito para todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais. Surpreendentemente, 38% das pessoas LGBTI+ em Portugal sentiram-se discriminadas em pelo menos uma área da sua vida no último ano, um número ligeiramente superior à média da UE (37%). O local de trabalho e espaços públicos, como cafés e restaurantes, são os cenários mais comuns onde essa discriminação é sentida. Apesar de 47% das pessoas LGBTI+ em Portugal sentirem-se relativamente confortáveis em viver abertamente como pessoas LGBTI+, este número é inferior à média da UE (51%).
Na UE, o estudo também destaca preocupantes aumentos na discriminação de pessoas intersexo, particularmente na discriminação no emprego que subiu de 27% em 2019 para 31% em 2023 e na habitação de 20% em 2019 para 28% em 2023. Além disso, a discriminação continua a ser um problema grave na área da saúde, com 17% das pessoas LGBTI+ inquiridas em Portugal a sentirem-se discriminadas nos cuidados de saúde.
No que toca à população trans, Portugal é o pais da Europa onde as mulheres trans enfrentam as maiores taxas de discriminação, com cerca de 77%. Variações substanciais foram observadas entre os países nas taxas gerais de discriminação para mulheres trans: Itália (75%) e França (70%), seguidas pela Irlanda (69%), Bélgica (67%), Alemanha e Áustria (ambos 65%). Os menores valores de prevalência de discriminação relatados por mulheres trans estão na Finlândia (41%) e na Tchéquia (44%). A maioria dos homens trans que se sentem discriminados está na Bulgária (82%), Grécia (78%) e França (71%), e os menores estão na Suécia (41%).
Aumento da Violência e do Assédio
O estudo da FRA também revela um aumento alarmante na violência e no assédio contra pessoas LGBTI+ na UE. A proporção de pessoas que sofreram violência motivada pelo ódio nos últimos cinco anos aumentou de 37% em 2019 para 55% em 2023, especialmente entre pessoas intersexo (de 42% para 74%) e trans (de 47% para 69%). Em Portugal, 8% das pessoas LGBTI+ inquiridas sofreram um ataque físico ou sexual nos últimos cinco anos, um número inferior à média da UE (13%). Igualmente inferior, 48% das pessoas inquiridas em Portugal afirmam ter sido assediadas no último ano comparado com a média da UE (54%).
Subnotificação de Crimes de Ódio
A subnotificação de crimes de ódio continua a ser um problema grave, com a maioria das vítimas (82% na UE e 72% em Portugal) optando por não denunciar os incidentes às autoridades. A falta de confiança na polícia e o medo de reações discriminatórias são os principais motivos para a não denúncia. No entanto, em Portugal, a percentagem de pessoas que denunciou ataques físicos ou sexuais à polícia (21%) é consideravelmente superior à da UE (11%).
Saúde
As experiências de discriminação, violência e preconceito têm um impacto significativo na saúde mental das pessoas LGBTI+. O estudo revela que 38% dos inquiridos LGBTI+ em Portugal pensaram em suicídio no último ano, um número semelhante à média da UE (37%). A nível europeu e nacional, esta proporção é muito maior para mulheres trans (59% e 51%), homens trans (60% e 66%) e pessoas não binárias (55% e 53%).
6% de todas as pessoas respondentes a nível europeu e nacional, incluindo 22% dos homens trans, e 15% (UE) e 14% (PT) das mulheres trans, evitaram usar serviços de saúde em geral. 45% (UE) e 55% (PT) daquelas que enfrentaram dificuldades no acesso aos serviços de saúde na UE disseram que os serviços procurados eram cuidados de saúde sexual e reprodutiva, e 44% (UE) e 39% (PT) disseram serem serviços médicos gerais e outros.
Igualmente preocupante são os 5% (UE) e 4% (PT) de todas as pessoas da pesquisa, incluindo 17% (UE) e 3% (PT) das mulheres trans e 18% (UE) e 13% (PT) dos homens trans, que deixaram de receber tratamento médico necessário por medo de discriminação e reações negativas. Uma em cada sete mulheres trans na UE relataram que foram recusadas tratamento médico.
Já 10% de todas as pessoas disseram ter enfrentado dificuldades no acesso a cuidados de emergência. 52% das pessoas intersexo disseram que elas próprias não forneceram consentimento informado antes de cirurgias, ou processos hormonais visando modificar as características sexuais das respondentes.
17% das pessoas LGBTI+ em Portugal sentiu-se discriminada nos cuidados de saúde no ano anterior ao inquérito.
Habitação
Na UE, a falta de habitação é uma grande preocupação para as pessoas inquiridas, especialmente para as pessoas intersexo, das quais uma proporção notável (6%) teve que dormir ao ar livre num espaço público pelo menos uma vez na vida.
Bullying, Práticas de Conversão e Integridade Corporal
Em Portugal, 74% dos inquiridos LGBTI+ afirmaram ter sofrido bullying na escola devido à sua identidade LGBTI+, um número superior à média da UE (67%). Além disso, 21% das pessoas inquiridas em Portugal foram submetidos a “práticas de conversão”, intervenções que visam alterar a orientação sexual, a identidade de género, e a expressão de género autodeterminada das pessoas LGBTI+, um número semelhante à média da UE (24%).
Intolerância e Preconceito
Apesar de Portugal ter uma legislação progressista, 36% dos inquiridos LGBTI+ em Portugal consideram que o preconceito e a intolerância aumentaram nos últimos cinco anos, um número inferior à média da UE (53%). No entanto, 38% dos inquiridos em Portugal acreditam que o Governo está a combater eficazmente o preconceito e a intolerância, um número superior à média da UE (26%).
Educação
“Eu enfrentei a pior discriminação na escola, mais frequentemente por colegas de classe. Isso deixou-me com um trauma severo que me levou a parar de frequentar a escola depois de terminar o 9.º ano.” Homem trans bissexual, 19
A educação sobre questões LGBTI+ ainda é um desafio em Portugal, com 60% dos inquiridos a afirmarem que nunca tiveram nenhuma educação sobre estas questões na escola, um número semelhante à média da UE (62%).
34% das pessoas estudantes LGBTI+ em Portugal esconderam ser LGBTI+ na escola. Esse número foi de 49% na UE. 35% das pessoas estudantes LGBTI+ em Portugal dizem que na escola alguém frequentemente ou sempre apoiou, defendeu ou protegeu os seus direitos como pessoa LGBTI+. Esse número foi de 32% na UE.
Embora Portugal tenha feito progressos significativos em termos de direitos LGBTI+, o estudo da FRA revela que ainda há muito trabalho a ser feito para garantir a igualdade e o respeito para todas as pessoas, independentemente da sua orientação sexual, identidade de género, expressão de género e características sexuais.
Fontes consultadas:
FRA (2024). EU LGBTIQ survey III LGBTIQ Equality at a Crossroads: Progress and Challenges Country Data – Portugal. Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais.
TransParente (2024) – 9 factos sobre a Comunidade LGBTI na Europa.
Authors
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Com uma formação como Técnico de Apoio Psicossocial e atualmente estudante de uma Licenciatura em Sociologia, iniciou o seu ativismo em Ovar aos 16 anos. Hoje, continua a estudar e intervir em várias temáticas sociais.
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