Será que as pessoas trans têm o desejo da parentalidade?
Será que têm direito à preservação da fertilidade?
O que não sabes sobre Trans Parentalidade?
Os conceitos de pai e mãe são muito diferentes para cada pessoa! Há quem considere que pai ou mãe não é a pessoa que deu à luz ou quem partilha o DNA, mas sim quem decide cuidar e amar de outro ser que precisa desse cuidado e amor na vida. E se à equação acrescentarmos a temática Trans? Aí o conceito de pai e mãe, filho e filha, deveria obrigatoriamente de ser mais inclusivo. Se não conheces o mundo da Trans Parentalidade ou Parentalidade Trans, esta é a tua grande oportunidade!
Alguns estudos mencionados nas SOC 8 da WPATH, sugerem que as pessoas transgénero e de género diverso (TGD) podem apresentar uma menor probabilidade de querer ter crianças, que tenham uma relação genética consigo, ou simplesmente de ter crianças, comparativamente a pares cisgénero. No entanto, vários outros estudos demonstraram que muitas pessoas TGD:
1) querem ter crianças, que tenham uma relação genética consigo;
2) lamentam ter perdido oportunidades de Preservação da Fertilidade (PF); e
3) estão dispostas a atrasar, ou a interromper, a terapia hormonal para preservar a fertilidade e/ou conceber.
Diversos estudos indicam que as pessoas adultas TGD referem o desejo de parentalidade e pretendem preservar a fertilidade, variando consoante a sua idade, género e duração da terapia hormonal de afirmação de género (Auer et al., 2018; De Sutter et al., 2002; Defreyne, Van Schuvlenbergh et al., 2020; Wierckx, Stuyver et al., 2012).
Alguns estudos demonstraram ainda que a existência e disponibilidade de informação sobre fertilidade influenciava a tomada de decisão relacionadas com a preservação da fertilidade (Chen et al., 2019). Inclusive, observaram-se altas taxas de preservação da fertilidade de pessoas trans, após aconselhamento sobre fertilidade (Amir et al., 2020).
Além disso, um estudo sugeriu que consultar uma pessoa especialista, reduz o arrependimento relacionado com a decisão de prosseguir ou não com os procedimentos de preservação da fertilidade (Vyas et al., 2021).
Se és uma pessoa trans e estás a pensar em preservar a tua fertilidade, saber que soluções existem para poderes exercer a tua parentalidade ou ainda, se ponderas engravidar (no caso de pessoas trans masculinas e não binárias com útero e ovários) fala connosco, marca uma sessão informativa.
Que motivos podem impedir uma pessoa trans de preservar a sua fertilidade?
Além dos motivos óbvios da escolha pessoal de não querer ou não poder por qualquer problema relacionado com a fertilidade, foram referidos outros obstáculos à preservação da fertilidade por pessoas trans, tais como:
1 – O custo (que é exacerbado quando não existe cobertura por seguro)
Muitas pessoas trans desconhecem que o SNS cobre as despesas de preservação da fertilidade, tal como a qualquer outra pessoa cis* (cisgénero – ver conceito) que pretenda fazê-lo através do sistema nacional de saúde. Ainda assim, muitas pessoas não conseguem suportar os custos com deslocação (transporte e alojamento), bem como avançar com os custos da medicação para estimulação ovárica (no caso de pessoas trans que possuem ovários) que pode superar os 300€.
2 – Urgência para iniciar a terapia ou cirurgia
Muitas pessoas trans já esperaram anos da sua vida para iniciar a terapia hormonal ou até para realizar uma cirurgia. Quando se deparam com a possibilidade de preservar a sua fertilidade, muitas acabam por não considerar esta via por uma questão de urgência. Para muitas, é mais urgente iniciar a terapia ou realizar a cirurgia do que preservar a fertilidade. Isso pode gerar arrependimento no futuro quando a tomada de decisão não foi bem informada ou foi informada tardiamente.
Há ainda pessoas trans que acreditam que parar a terapia hormonal será catastrófico emocionalmente, pelo que não estão dispostas a ter de enfrentar uma nova menstruação (no caso de pessoas trans com ovários) ou enfrentar o aumento do pénis (no caso de pessoas trans com pénis) e alguns dos possíveis efeitos secundários da medicação hormonal.
3 – Incapacidade de tomar decisões orientadas para o futuro
Algumas pessoas trans não possuem a capacidade de pensar no seu futuro, uma vez que podem encontrar-se demasiado focadas em resolver os seus problemas presentes no que respeita à sua identidade de género ou até disforia de género* (ver conceito). Por urgência que as suas necessidades presentes sejam respondidas, acabam por não querer pensar sobre o assunto da parentalidade, ou não considerar que é um assunto prioritário, de momento.
Para algumas pessoas, a parentalidade só tem uma via. A via “hetero-normativa”. Mas isso não é verdade. Hoje em dia, tanto em Portugal como noutros países com políticas de parentalidade inclusivas, quase todas as pessoas trans podem exercer a sua parentalidade. O caso é mais complicado para casais onde uma das pessoas é um homem trans sem útero e que não preservou a sua fertilidade. Ou em que ambas as pessoas são trans e não possuem material genético.
4 – Conhecimentos inadequados ou preconceitos de que quem presta cuidados – que afetam a disponibilização da preservação da fertilidade
Muitos são os casos relatados de pessoas trans que dizem nunca ter tido acesso a informação por parte de profissionais de saúde sobre o tema da parentalidade ou preservação da fertilidade. E alguns são os relatos também de pessoas trans que sofreram situações de preconceito e discriminação por parte desses mesmos profissionais. São comuns os comentários homofóbicos e transfóbicos, e ainda os comentários desencorajadores e discursos que colocam medo ou provocam disforia às pessoas trans. Isso faz com que as pessoas desistam ou não queiram saber sobre os processos.
5 – Outras dificuldades no acesso à PF
Outras dificuldades podem incluir o apoio da família ou de pares, a capacidade económica ou o desconhecimento das instituições e processos.
Algumas pessoas transgénero podem apresentar um agravamento da disforia devido a diversas etapas no processo de PF que estão inseparavelmente relacionadas com o género atribuído à nascença (Armuand, Dhejne, et al., 2017; Baram et al., 2019).
Que direitos as pessoas trans têm em relação à sua parentalidade e preservação da fertilidade?
Todas as pessoas têm o direito à informação. E esse direito deveria ser exercido através do SNS. Infelizmente, sabemos que nem sempre isso acontece e muitas pessoas têm de recorrer ao privado para obter as informações devidas.
Todas as pessoas trans têm direito a ser informadas sobre:
a) opções de procriação – tais como cuidados perinatais, cuidados na gravidez, no parto e no pós-parto
b) planeamento familiar e opções de contracepção – para evitar gravidezes não planeadas e interrupções da gravidez.
É essencial que os ambientes sejam acolhedores e seguros para pessoas com identidades e experiências de género diversas. É crucial que hajam profissionais que saibam efetivamente respeitar a diversidade sexual, a diversidade de género e a diversidade familiar.
O que não sabes sobre Trans Parentalidade?
Na verdade, pode existir muita coisa que não sabes sobre famílias compostas por pessoas trans, mas deixa-nos ajudar-te e providenciar-te alguma informação surpreendente. O artigo de Milena do Carmo, intitulado “Parentalidades Dissidentes: o cuidado exercido por homens trans no Brasil e em Portugal”, salienta que em famílias compostas por pelo menos uma pessoas trans:
1) existe melhor divisão de tarefas domésticas.
2) os papéis de género estão menos segmentados.
3) há um melhor respeito pelas diferenças, permitindo maior liberdade nas experiências sexuais e de género.
4) existe a sensação falta de apoio e encorajamento para experienciar o processo reprodutivo em contexto diferente do heteronormativo.
5) a experiência de Parentalidade de uma pessoa trans pode ser um fator protetor contra a ideação ou tentativa suicida e atua como um fator que melhora a saúde mental em pessoas adultas trans.
6) o cuidado parental é visto como um ato da responsabilidade de qualquer pessoa, independentemente do seu género.
Por isso, cuidar deve ser um ato que vai além do género. Aqui os cuidados familiares por pessoas trans poderão quebrar o modelo do patriarcado das famílias tradicionais.
Mas quantas mulheres heterossexuais inférteis não davam tudo para que o seu companheiro pudesse engravidar e terem uma criança pela via biológica? Eis a questão!
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Fontes consultadas:
Capítulo 16 - Saúde Reprodutiva - SOC 8 - Versão Portuguesa - World Professional Association for Transgender Healthcare (WPATH) (disponível em breve em Português)